CARTA-POEMA 4 - EM PROSA POÉTICA

    São Paulo, 11 de Abril de 2022

É outono. Outono das folhas tom terra, que sob o sapato atiçam o meu labirinto fazendo com que eu me perca para que me encontre novamente. Que dia é hoje? 11 de Abril de 2022. É sempre hoje. O que existe, se de fato existe é esse instante efêmero que morre a cada segundo, dando lugar para novos instantes, novos começos. Antigamente eu tinha um relógio de pulso que cronometrava esses instantes raros. Logo percebi que a contagem não era sobre o tempo que eu ganhava, mas o tempo que morria. Eu menina sem a dimensão dessa infinita natureza, dessa louca relação com o tempo, apenas deixei de usar para não trazer ainda mais ansiedade. Começo pensando sobre o passado, sobre eu criança na infância, adolescência, pedindo à memória que lance suas pérolas. Recordar é acordar. Acordo numa manhã de sol ouvindo sirenes, carros, buzinas e me lembro de manhãs de sol ao som de pássaros, ao som do silêncio, porque o silêncio também tem um som não som, ele existe e muitas vezes incomoda. A sua voz perturba. Trago para o meu tempo presente sensações de um tempo passado que está vivo, tatuado em minh ́alma, corpo, mente, voz. Em mim. Se o passado é tão vivo e presente, por que o tempo o coloca tão distante? Pausa com fermata. O meu presente, o meu hoje, o meu instante que passa a cada segundo tornando-se também passado é prenhe de desejos e realizações do meu eu na infância, mas estou noutro lugar, de outra forma, pois a face do sonho é diferente da realidade. A matéria dos sonhos talvez se encontre noutra dimensão, talvez nessa mesma, porém num outro eu.

Quando eu criança pensava no amanhã, refletia sobre meus desejos e sonhos, mas o amanhã não existia ainda, ou talvez estivesse escrito nas nuvens de nossa tecnologia espiritual. Talvez o que existe de fato seja o presente carregado de passado e desejoso de um futuro com muitos amanhãs. Pensando no amanhã, sinto que quando o ponteiro do relógio marcar 00:00 hora e o amanhã se tornar hoje, vejo que essa possibilidade do amanhã morre e nasce num ciclo de eterno retorno e assim, cada segundo que passa mata a possibilidade do amanhã e constrói as imagens de um passado. O amanhã vem carregado de um “quando”, e esse mesmo “quando” que vem com sua interrogação “?” inquieta, assusta e também estimula, traz um tipo de esperança em relação ao que não se sabe, o que não se vê, o que não existe e que não está em lugar nenhum, apenas nos impulsos de vida de cada ser. O que seria de nós sem a possibilidade do amanhã? Ah, esse amanhã que traz a morte, que traz a vida em ciclos infinitos. Muitos cantam sobre o amanhã, sobre esse desejo de acordar melhor, com cor de manhã e esse constante movimento de impulsos fazem com que a roda gire numa gira linda e cruel que sempre faz tatuar na alma a palavra “saudade”. Sim, a saudade do futuro martiriza os corações e também cria cantos pelo mundo conectando-os numa teia infinita que atravessa tempo espaço.

Assim me lanço nesse mar de memórias, através da voz da minha experiência, mapeando e garimpando processos em busca de tesouros do amanhã. Plantei e continuo esse plantio, só assim descobrirei os caminhos desse mapa-labirinto.

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